segunda-feira, 13 de junho de 2011

dois fragmentos - viegas fernandes da costa



                                            Dois Fragmentos - Viegas Fernandes da Costa

Elke Littig

Na tela pintada por Elke Littig, quatro faces de uma janela refletem uma imagem estranha. Vista à distância, a imagem assemelha-se a uma mancha de lama impregnada a uma superfície acinzentada. Tencionamos, entretanto, aproximação, e o que parecia uma massa disforme de matéria incerta, assume sua dimensão antropocêntrica. É uma figura humana esta que se permite reconhecer quando nos aproximamos e juntamos os quatro fragmentos da imagem. Está de costas para nós, despida, de cócoras, as pernas ligeiramente abertas e as mãos tocando seus pés. A cabeça surge diretamente do tronco como massa coesa que se mistura aos ombros. Está levemente virada para a esquerda, e assim podemos perceber seu perfil: a boca com seu lábio inferior saliente, o nariz aquilino, o orifício ocular, a testa alta. Seu olhar inclina-se para cima, parece mirar algo, e me pergunto: o que busca? Saída? Resposta? Entendimento? Da escápula esquerda surge breve planta de quatro folhas. Apesar de pequena, esta planta com seu verde atrai nosso olhar quase que hipnoticamente. Afinal, há vida brotando da lama (ou da rocha?) em meio à paisagem primitiva. Símbolo, talvez, de certa epifania, diálogo da artista com seu tempo e sua geografia? A vida, apesar de tudo, é persistente. Incrusta-se em nossa realidade e aflora às nossas costas, enquanto bestializados miramos o terror. É sistêmica a perspectiva de Elke Littig ao nos apresentar uma paisagem fragmentada. Porque se fragmenta a realidade em sua tela, é justamente para nos dizer que é na junção dos cacos que se permite a realização do todo. Se se cobre de lama um pedaço de nossa realidade, de imediato a vida se impõe à revelia. Então por isso aproximo-me do quadro, e baixinho sussurro à figura de lama que a vida está consigo, que olhe para si, que toque sua escápula esquerda e sinta a densidade da planta que fez do seu corpo solo fértil para germinar. Sim, Elke Littig me fez sussurrar à figura de lama!  
Marco Antonio Struve
Dos diálogos com o a figura de lama de Littig, detenho-me agora na fotografia de Marco Antonio Struve, intitulada “Frag Mento”. Apóstolo da fotografia, Struve escreve que “é bom ser fotógrafo, um mágico militante recolhendo o tempo”. O tempo, entretanto, tal qual a realidade, não se permite à captura fácil, e quando esta ocorre, é sempre uma captura parcial, como que se alcançássemos a perna da lebre em sua toca profunda, e essa perna fosse toda a lebre, porque o restante do seu corpo esvai-se pelo incógnito do buraco onde se esconde. Struve busca assim, com suas lentes e objetivas, preservar um tempo e uma realidade fluídos até mesmo na materialidade da sua arte. Arte esta fotográfica ou escultória? “Frag Mento” é transformação sobre transformação. Atento aos detalhes e ciente de que a paisagem é a reunião dos mínimos que nosso olhar e sensibilidade são capazes de reunir em imagem reconhecível, Struve volta sua atenção para o detalhe quase imperceptível, para a parte de um todo, e assim constrói ilusionismo (como ilusória toda realidade), como um mágico, um prestidigitador, que com elementos ordinários nos permite o deslumbramento do extraordinário.
“Frag Mento” é um fragmento da escultura “Transformação”, de Guido Heuer (exposta em praça pública no município de Blumenau). Fragmento transformado também pelo fotógrafo, quando retirado de seu todo original e manipulado através da exposição de luzes e de diferentes temporalidades. O resultado é essa imagem abstrata, repleta de curvas e luminosidades, metal envolvente, insinuante. Verdadeiro poema que flerta com as fronteiras entre fotografia e escultura.
Os dois trabalhos de Marco Antonio Struve e Elke Littig que comentei aqui podem ser vistos na exposição “OITO - Artes Visuais Indaialenses”, que reúne também trabalhos de Dolores Thonern, Homero Moser, Iria de Freitas Bueno, Luiza Schlegel, Nanci Merize Moskorz e Sidney Luiz Saut (importante fotógrafo brasileiro que se dedica à fotografia monocromática, como as três fotos que apresenta na exposição, construídas a partir da técnica da oleografia, comum no século XIX e atualmente quase extinta). Diferentes linguagens e estéticas são apresentadas nesta mostra de artistas indaialenses, realizada no “Consórcio Intermunicipal do Vale do Itajaí”, em Timbó. A exposição permanece aberta até o dia 30 de junho.

Sidney Luiz Saut

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